Manuel de Pavia

Como quem colhe num pomar tristonho a última laranja sã, colhi a solidão estelar da minha vida.- Voo ou sonho não sei.

Carlos de Oliveira, autorretrato de Manuel Ribeiro de Pavia, in: Vértice, nº 164, Maio 1957

Sem Título (figura feminina),1953
Sem Título (figura feminina),1953

Manuel Ribeiro nasce a 19 de Março de 1907, em Pavia, Mora, adoptando, para si, o nome da sua terra natal (nome na Clandestinidade): de Pavia. Pintor e ilustrador neo-realista, ficou especialmente conhecido pelas suas ilustrações, que marcaram o panorama português das artes gráficas, e que , tão bem, ilustraram as capas da literatura dos seus contemporâneos . Inicia a sua carreira artística em Lisboa, em 1929. Na sua obra vemos muitas vezes presente um Alentejo de tons fortes, mas de extrema pobreza, mulheres e homens trabalhadores, temas campesinos, não deixando de parte o tema da maternidade e da mulher. Devido a contingências económicas, viu-se forçado a uma constante procura de aperfeiçoamentos técnicos gráficos. Os seus desenhos, raramente expostos, eram oferecidos aos seus amigos pessoais. Morreu em Lisboa a 19 de Março de 1957 e em Maio do mesmo ano, a revista Vértice dedica-lhe uma edição especial com depoimentos de vários intelectuais que com ele conviveram.

Exposições Individuais: Exposição Retrospectiva, SNBA, Lisboa, 1958. Exposições Colectivas: I a VII Exposição Geral de Artes Plásticas, SNBA, Lisboa (na II Exposição Geral de Artes Plásticas, a PIDE apreende uma das suas obras), 1946-1953; Modernos Gravadores Portugueses, Galeria Artes e Letras, Lisboa, 1955; Gravura Portuguesa Contemporânea, Galeria Pórtico, Lisboa, 1956.


Noite dentro, uma figura franzina e de sorriso amargo recolhia ao seu quarto numa modesta pensão da Rua Bernardim Ribeiro, em Lisboa e, muitas vezes tendo como jantar apenas um copo de leite, sentava-se ao estirador a encher papéis de sonhos e ilusões. Que desenhava o artista nas folhas que acabavam invariavelmente nas vastas gavetas da cómoda, algumas delas laboriosamente retocadas para ilustrar capas de livros de poetas e prosadores amigos? A dura faina das gentes do mar e do seu Alentejo natal, ceifeiros e ceifeiras orgulhosos e expectantes à sombra de nodosas azinheiras. E mulheres! As mulheres que Manuel Ribeiro de Pavia  nunca teve, mães e companheiras, a esconder fome e sede de amores que a infância sofrida e a vagabundagem pela cidade lhe negaram. Desenhou-as às centenas, a lápis, carvão ou aguarela, sempre sobre papel. Corpos redondos e maciços, lábios carnudos, pés e mãos de gigante, olhos líquidos presos no leitor, a povoar a solidão do quarto e da vida. São neorrealistas, sim, pelo seu momento histórico, mas de um Neorrealismo lírico, sem sombra de pecado, povoando a literatura de uma geração inteira que partilhava com o artista o sonho dos amanhãs que cantam.

Eduardo Teófilo, in  Alentejo não tem sombra, 1954