Manuel Filipe – Precursor do Neorrealismo em Portugal

A Familia
A Família, 1943

Manuel Filipe nasceu em Condeixa-a-Nova, 1908, e faleceu em Lisboa, 2002. Traduziu de forma paradigmática o grito de revolta, a subversão, em criação artística. A sua designada “Fase negra” (1943-1945), marcadamente neorrealista, e de inspiração expressionista, do realismo socialista, e dos coevos mexicanos, é uma expressão dramática da temática social e da luta contra a opressão totalitária. Entre o humor ou o satírico e o drama da miséria humana, representa transfiguradamente, através dos traços negros sobre papel, os ideais por que pugna, a “tomada de consciência dos homens avisados” e inconformados.

Esta é, sem dúvida, a leitura nesta obra: A Família, de 1943. Início da sua fase artística classificada como “Fase negra”.

Filho de um trabalhador rural e de uma pequena comerciante, ao mesmo tempo que ajudava o pai nas suas horas livres, no amanho da terra, dava os seus primeiros passos na Arte do Desenho quando ainda vivia em Condeixa; possivelmente, a (auto) imagem aqui retratada. Frequentou aulas particulares e posteriormente a escola de artes e ofícios. Vai estudar para Coimbra, para o Curso Misto de Ciências, Letras e Artes, contudo a sua aprendizagem para professor está ligada ao desenho que insistentemente praticava. A irreverência que o caracterizava vale-lhe nos primeiros tempos da Ditadura um mês de prisão no Forte da Trafaria. Foi professor de Desenho no Ensino Liceal. Na sua carreira pedagógica, aquando das exposições individuais que realizou no Porto e em Braga, e da II Exposição Geral na SNBA, foi ameaçado pela PIDE de que se voltasse a expor seria demitido do cargo de professor. Nessas exposições, as suas obras consideradas de subversivas, foram retiradas, vandalizadas ou, mesmo, a mostra mandada encerrar pelo Governador Civil.

Esta repressão, esta censura por parte do Estado Novo leva-o a abandonar a actividade artística até 1961, data de início de uma segunda, distinta e muito fecunda fase criativa. Nas próprias palavras de Manuel Filipe podemos encontrar o sentido da sua arte dos meados do século vinte, quando afirma: a pintura neorrealista “deve ser esteticamente bela (…) [mas] tematicamente (…) tratando corajosamente problemas que possam melhorar a condição humana”. Reflexo de um humanismo ansiado, e também com certeza de uma guerra que lavrava no mundo, este artista mostra num expressionismo denso, mas sempre estético, a rudeza desta condição, quando representa figurativamente as mais gritantes injustiças sociais, os infortúnios da pobreza, da servidão e da brutalidade. As personagens que traça são no fundo, sobreviventes, de mãos e pés desconformes, numa desmesura de um olhar sempre aberto, para a consciência ou para um soabrir da esperança.

Michael Barrett – Devoção e Redenção em Barrett

O-Pescador
O Pescador, 1964

Quem sou eu, senão um ser atormentado, como todos os homens, que não quer senão pintar, que só não é medíocre pintando? Quem sou eu, senão alguém que sonha (…) No fundo, quem sou eu?” 

Michael Barrett

Em Michael Barrett vivenciamos a liberdade espiritual numa paleta monocromática de intimidade ou numa policromia intensa, onde o divino e o humano, em simbiose, transportam, de forma quase brutal, flores que brotam em orgias de pinceladas a um Deus que é o Ser: Ele e os Pares. Um academismo inexistente, mas latente em mestria que nos envolve na sua História…

A devoção por si que reflectia, pelas mulheres que amou, pela pintura de múltiplos orgasmos, momentos ímpares de êxtase criativo, pela comida que jamais o saciou!… A redenção ao sexo e a um deus que persistiu em desconhecer… à faina no cais, o quotidiano de Cascais, Buarcos ou por Aveiro…

Em Michael Barrett o pecado não é a um Deus mas aos homens e mulheres que são o seu elemento fundamental de vida… Gente que passa ou que permanece, I love you Marie Louise / I don´t want to die! Krishna / Ciao, a vida tal como é, sem borras… antes laivos do café que importa e se esgota, como aguarela do Mundo que anseia por descobrir, mas cuja viagem nega!

Place du Tertre, num traço que nos remete a um momento entre artistas, com o seu cavalete, numa cidade onde foi concebido. Pecado? O destino que traça num Impressionismo Moderno. Fugas… talvez de si, desse cabal fim predestinado, de pré-conceitos que retalha para se libertarem, sonhando pela absolvição, tal Homem da Sé, ou o Pescador, ou Barrett ou a declaração de eterno amor a Marie Louise. Absolvição por um Deus, King of Jews, que Vamos Espezinhumilhá-lo! Ou por si, numa rua de Cascais, num olhar pela Costa Nova ou pelas salinas de Aveiro. Mas sempre o fascínio pelo urbanismo histórico, como o Palácio da Pena e a natureza da Ria.

Um Impressionismo Moderno que resgata de Van Gogh, Cezanne e Gauguin (pós-impressionistas que admira e trata como mestres), de quem fala no texto que herdámos na obra Ilha de Lesbos, onde exprime a sua preocupação conceptual sem rodeios, numa maturidade que não se exige mas se pressente num ser divinamente livre!

E Fernando Pessoa… sempre o Poeta. Numa devoção impressionista, mas numa redenção pelo Homem. Essência de vaidade e vergonha… tal o espírito em Barrett: Irrequieto, inconstante, inquieto… mas, sem dúvida, Humano! O seu calvário: o próprio, como todos! Mas consciente na sua pintura e produção artística.

Boa noite, Barrett. Coimbra, 25/03/2015, 01:55

Auto-retrato
Auto-retrato, 1974

Michael Nicholas Barrett nasceu em Paris a 13 de Fevereiro de 1926 (filho de mãe inglesa,  Dorothy Alice Barrett, e pai francês). Veio aos 9 anos para Portugal. Foi o arquitecto Gil Graça que o incentivou para a pintura. Morreu a 6 de Maio de 2004, em Cascais.

Casou com Marie Louise Forsberg, sueca, em 1961, com quem teve dois filhos, João Nicolau (n. 1961) e Teresa Cristina (n. 1963).

A partir da década de 70 do séc. XX, passou longas temporadas em Aveiro. Na década de 90 passou a residir em Buarcos, onde Marie Louise morreu.


MICHAEL BARRETT – Pintor de Memórias

A Arte não é acomodada e nem está refém de quaisquer subterfúgios, caso contrário, não será Arte! Antes, a repulsa da mesma.

A Arte permite a comunhão entre a responsabilidade, o conhecimento e a acção. Com mecanismos da matéria sensitiva e do teor de estéticas que atraem, comprometem-nos numa global vontade de harmonia, podendo impulsionar essa realidade.

A Arte e a sua produção é a condição mais visceral de comunicar e preservar latente o presente dos tempos, o Ser Humano e a sua História.

Sendo, sem quaisquer dúvidas, uma referência na arte portuguesa do séc. XX, Michael Barrett acentuou uma modernidade no seu trabalho pictórico definida pela extraordinária sensibilidade que incutia nas representações do quotidiano que por onde passava o apaixonavam.

Uma viagem interior de análise do Mundo – devassando a realidade – e que nos transmite a respectiva amplitude dos sentimentos, valores e emoções numa paleta muito própria e intimista, quer na profusão de cores a óleo, acrílico ou aguarela, como no diálogo solitário das manchas preto/ cinzas em aguarela que completam o traço e a tinta-da-china que definem roteiros de cada existência; tal como os desenhos a caneta apresentando ruas que convidam ao ser social ou, ao invés, a uma solidão sentida, pressentida e mantida como necessária.

Uma democratização no trabalho artístico que toca um Impressionismo Moderno e, por vezes também, um neorrealismo, fugindo dos padrões convencionais e academismos da moda.

No entanto, influenciado de forma marcante por uma escola impressionista/ expressionista, tendo como referências o mestre Henri Matisse que admirava pelas suas composições onde apenas o essencial era retratado.

Barrett permite-nos, a nós museólogos, trabalhar o património artístico como se de uma viagem se tratasse e/ou de uma autobiografia, mesmo quando o outro não está em si, mas aceitando e valorizando as diferenças e promovendo a multiplicidade de cada um de nós a partir de si mesmo: criando cenários e humanidades; descrevendo pessoas (família, amigos, gentes, o próprio), lugares e paisagens familiares. Desafiando a capacidade humana em que acredito: Amar!

Barrett é, sem dúvida, um indivíduo que vale pelas Memórias que traduziu pela Arte, sem barreiras e sem os condicionalismos que anteriormente referi. É exigido, no panorama da Arte em Portugal do Séc. XX, fazermos jus a estes expoentes do movimento artístico: colocar obras suas nos nossos museus de arte contemporânea, em exposição permanente e não permitir apenas que se limitem às reservas ou às vicissitudes do mercado galerista, embora esta área seja também importante; promover estes nomes nos meios que dispomos para a respectiva internacionalização; desenvolver e apoiar trabalhos académicos de valor e possibilitar a divulgar os mesmos.

Estou convencido de que estas são as responsabilidades primárias dos museus hoje. Contrariar esta função emergente será condenarmos a arte nacional ao ostracismo e adiarmos a democratização de acesso à Arte e à Cultura.

Porque acredito que o Caminho é de Memórias porque se a Arte promove o Presente e o seu reflexo no Futuro, funcionará como espelho para os personagens do Hoje e do Amanhã, numa comunhão de saberes, de erros, de efeitos, de vitórias, de alegrias, de tristezas, de derrotas: DESPOJOS DE NÓS!

Michael Barrett, como outros responsáveis pela produção artística em Portugal, oferecem-nos hinos da poética do coração humano, trazidos por um Caminho silencioso do passado histórico, despojado de artifícios ocos, tal como toda a Arte que se quer honesta para, assim, alcançarmos a honestidade que permitirá sobrevivermos: RECONSTRUÇÃO DO NÓS: RESSURREIÇÃO!

 

Antonino Neves

O Regresso do Poeta
O Regresso do Poeta, 1993
“A rica e brilhante capacidade do ser humano de poder “viver” o passado, a história e o tempo, faz de nós grandes sonhadores. A viagem no tempo projecta memórias no nosso imaginário que nos impulsiona a sonhar…deixem-nos sonhar…”

Antonino Neves, nascido em Coimbra a 18 de Novembro 1962, é licenciado em pintura pela ARCA/ETAC, pós-graduado em história da arte pela universidade Lusíada de Lisboa, desenvolveu um trabalho autónomo em volta de explorações plásticas a óleo, pastel d’óleo e pigmentos misturados com óleo e aguarrás, tendo por base o estudo da figura humana em diferentes expressões anatómicas e poéticas. Tem desenvolvido diversos trabalhos para bienais de arte, exposições individuais e colectivas em Portugal e exposições itinerantes fora do país, designadamente em Itália. Tem colaborado com diversos trabalhos em livros didácticos de arte e de design, está representado no museu Santos Rocha da Figueira da Foz e em muitas colecções particulares. Foi professor-assistente da disciplina de Desenho durante dez anos na ARCA/ETAC. Participou no evento artístico Cenografias.site specific event, realizado no Quarteirão das Artes da Cooperativa Teatro dos Castelos, Montemor-o-Velho; “Rota das Artes” – exposição itinerante por vários Concelhos do país; participou com trabalhos na Instalação “Ant’s Hill, a Human Renewal” (Formigueiro) na Casa Museu Bissaya Barreto em Coimbra; participou na exposição “D. Catarina de Bragança – imagens contemporâneas”; coordenou a montagem da exposição no Palácio da Bemposta – Lisboa. Neste momento é professor do quadro da escola secundaria de Avelar Brotero em Coimbra, onde lecciona a disciplina de Desenho A e encontra-se a concluir a tese de doutoramento na Faculdad de Historia del Arte/Bellas Artes na Universidade de Salamanca.

Nas suas obras, Antonino transporta-nos por uma corrente hiper-realista da arte contemporânea bastante actual, onde o corpo obedece a um mecanismo concreto e completo: movimento e natureza traduzem o traço motriz da vida. Um classicismo omnipresente, transmitindo a paixão pelo traço e a cor que persistindo não ofusca a composição.

LDTS – Luís Dias Teixeira da Silva, fotógrafo de uma inesgotável tristeza consciente!

Tocha Impressionista
Tocha Impressionista, 2014

Luís Joaquim Dias Teixeira da Silva nasceu a 15 de Março de 1963, em Irego, no distrito da Zambézia, Moçambique e veio para Portugal em 1978. A sua ascendência escocesa e a sua área profissional ligada às Telecomunicações levam a sua experiência na arte de fotografia, uma paixão desde cedo, a explorar a comunicação da paisagem alheia de gentes por entre reflexos, neblinas e uma mística quase permanente. Um caminho sempre com movimentos e memórias que tocam uma autobiografia transcendente.

Entre os anos 2009 e 2010, um problema de saúde levou-o à cegueira. A luta por reconquistar o seu mundo na sua cromática tão sentida, permitiram-lhe o recuperar da visão redobrando a paixão por captar momentos de uma paisagem com a sua câmara.

Desde 2011 que a sua tarefa humanizadora por policromias semi-obscuras através da fotografia, enredou por um psiquismo de auto promoção e de leituras íntimas para com tudo o que o rodeia: permissão de isolamento e de interiorizar o outro.

Na galeria de fotografias que proponho, as fotografias marcam os dois momentos, de 2007 a 2014.

A Fotografia em Luís Teixeira da SIlva (LDTS), que há anos me apaixonou, transmite uma inquietude serena, uma nostalgia perto de uma inesgotável tristeza consciente: reiterando sempre instantes resgatados de um Passado: Viagem. A namorar numa Exposição Retrospectiva Underground”intensa e branca!

O sentimento que nos desperta é o da volta de uma viagem, numa forma sensitiva em que experienciamos esse Passado com flashes de Memórias: Património intangível, irrevogável no Tempo e na Acção. O que comove na Viagem do Tempo que somos e provando que somos um Intervalo na Vida do Mundo. De salientar a Arte presente neste intervalo que reinventaremos nesta retrospectiva de um Fotógrafo, de um Homem, de um Viajante, de um Intervalo com Instantes LDTS.